O sarau Autores Leitores foi um verdadeiro show literário, tanto para conhecer o trabalho de artistas contemporâneos, quanto para reverenciar grandes nomes, como Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Manuel Bandeira ou Cecília Meireles, por exemplo. A Praça Além da Página Shell foi o palco, na noite de terça-feira (17), para os autores Maria Gal, Iana Villela, Lola Salgado, Marcela Ceribelli, Tom Grito, Ian Fraser, Yasmin Santos e Carolina Rocha, na Bienal do Livro Rio. Todos recitaram poesias, algumas emprestadas, outras autorais.
Quem abriu o sarau foi Maria Gal, apresentadora e atriz, que interpretou lindamente um trecho de “O quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus. O conto poético escancarou as desigualdades sociais e revelou que a narradora aspirava, na verdade, ter acesso ao mínimo de dignidade humana.
Na sequência, muitos outros nomes visitaram o palco. Iana Villela ponderou que, apesar de não ser poeta, a poesia a desperta quando precisa enxergar algo diferente para escrever. Nessa linha, trouxe o poema “Vietnã”, da polonesa Wisława Szymborska, que aborda a maternidade. Depois, leu uma poesia que fez para se despedir da sua mãe, que partiu com Alzheimer.
Tom Grito inovou, trazendo ao palco a pauta queer. Inspirado no conceito de escrevivências, de Conceição Evaristo, ele desenvolveu uma poesia autoral com o seguinte trecho:
“O reflexo de nossas belezas é o olhar pra margem da aldeia queerlombola de escrevivências”.
Além disso, ele leu poemas de Manuel Bandeira e Cecília Meireles com suas respectivas releituras. Lola, em uma participação breve, porém simbólica, leu um poema de Ferreira Gullar. Já Yasmin Santos fez uma coletânea de dez minutos com poemas de Conceição Evaristo, trazendo inclusive uma poesia erótica da autora:
Ian Fraser, baiano e poeta, trouxe à cena uma fala potente sobre pertencimento. Compartilhou com o público que, por muito tempo, sentiu que aquele palco, e tantos outros espaços literários, não eram para ele.
“Eu achava que não era inteligente o suficiente”, confessou.
Sua poesia é um convite à desobediência estética e ao rompimento com os academicismos que, segundo ele, o afastaram da literatura por anos. Com versos afiados, leu um poema que refletia sobre a urgência de se libertar das amarras, sejam elas políticas, pessoais ou estruturais.
Marcela Ceribelli entrou em cena com suavidade, mas não menos impacto. Leu um poema sobre divórcio, desfiando emoções íntimas com firmeza e delicadeza. Sua leitura ecoou na plateia como um sussurro de reconstrução: uma poética da perda que encontra abrigo na palavra.
Quem fechou o sarau foi Carolina Rocha, também conhecida como Dandara Suburbana, não por acaso. Com uma performance marcante, ela fez da poesia um ato político e espiritual. Seus versos reforçaram a identidade periférica e celebraram as entidades da umbanda, conectando o sagrado e o urbano numa cadência que arrebatou o público. Carolina não apenas declamou: ela ocupou, com corpo, voz e alma.
Ao fim, os oito artistas voltaram ao palco sob aplausos. O sarau se encerrou como começou: celebrando a multiplicidade dos afetos, das ancestralidades e das experiências que moldam a literatura contemporânea.